terça-feira, 26 de agosto de 2025

Luto e arte em Clair Obscur: Expedition 33

Clair Obscur: Expedition 33 se tornou um fenômeno. Lançado em abril deste ano, o jogo foi uma grata surpresa. Títulos de RPG por turno, se tornaram muito nichados. E um dos grandes méritos de Clair Obscur é conseguir, justamente, furar essa bolha. Ele sintetiza e se inspira em elementos de diversos jogos existentes: um pouco de Persona, Final Fantasy, até mesmo jogos da série Souls. A equipe por trás do desenvolvimento, a Sandfall Interactive, carrega nomes experientes da indústria, que já trabalharam, em outros momentos, para grandes empresas como a Ubisoft. 

Tendo vendido mais de 3 milhões de unidades em pouco mais de um mês, é seguro dizer que Clair Obscur é um sucesso avassalador. Ele surpreendeu a todos, principalmente por não estar vinculado a uma grande publisher, apesar do investimento ter sido pesado. Mas, aqui não me interessa as entrelinhas acerca do desenvolvimento do jogo e sim o discurso presente em sua narrativa. Nesse quesito, Clair Obscur: Expedition 33 é tão brilhante quanto. A trama é envolvente e muito bem trabalhada. A trilha sonora, por sua vez, amplifica a carga emocional que o roteiro entrega para o jogador. Um espetáculo!

Morte e luto


Grosso modo, podemos enxergar dois grandes temas, que abrem o leque para outros subtemas na jornada dos heróis por Lumiére, o mundo fictício do jogo. O primeiro está presente desde o início: a morte e o luto. Como cada pessoa lida com isso? No jogo ano após ano, uma entidade, conhecida como artífice, pinta uma idade num monólito (a começar por cem) de forma regressiva. E todos aqueles com idade maior do que a pintada, desaparecem em meio a pétalas de rosas, sem dor ou sofrimento. Só deixam de existir.


Diante da morte iminente, os moradores de Lumiere passaram a organizar expedições para tentar evitar o arrebatamento, chamado por eles de “goomage”. No jogo fazemos parte da Expedição 33, que dá nome ao título. A certeza da morte iminente mudou a forma como eles encaram a própria vida. O interessante aqui é que nem todos concordam com as expedições. Mas, há respeito mútuo e cada um vive o tempo que lhes resta da melhor forma possível. Jovens amadureceram e passaram a constituir família cada vez mais cedo. E, acima de tudo, a certeza do fim os tornaram mais empáticos. Viver a  vida se tornou algo muito mais intenso porque, mais do que nunca, ela é curta.


Todos os moradores da ilha lidam com a perda de alguém que já amaram. E a dor os uniu. A ideia do luto vai ganhando mais camadas, com o avançar da história. Isso porque no início temos a perspectiva dos moradores de Lumiére. Mas, novos personagens são adicionados, quando a Expedição 33 chega ao continente, e um novo viés é apresentado. Negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. De todas as fases do luto, a mais difícil, na minha opinião, é a aceitação. E existe todo um arco narrativo que demonstra o quão difícil é se acostumar com a dor da perda. E isso ronda a história do jogo até o seu desfecho.

O poder criativo da arte


O segundo tema presente no jogo é mais sutil. Trata-se do debate sobre a ideia de “arte”. Existe toda uma trama de uma família de artistas que vive no continente. Sem entregar muito das surpresas que Clair Obscur trás, é interessante a forma como podemos perceber a existência de vida na arte. Arte é um retrato da realidade, o olhar do artista sobre ela. Uma força criativa em que, diante da finitude de nossas vidas, podemos brincar de deus. Em certo momento isso entra em debate, nos fazendo questionar a noção de realidade.

Se nos debruçarmos sobre a noção de arte, veremos algo ligado à concretização de uma ideia ou a expressão de nossa própria subjetividade. Trata-se de pinturas, esculturas, canções, dança, obras literárias e arquitetônicas. O seu sentido, no entanto, varia e em cada época há maneiras diferentes de interpretá-la. Na Antiguidade, ela era vista como imitação (mimese), no sentido de reproduzir a realidade. Mas isso não impediu que alguns filósofos criticassem essa visão. Platão, por exemplo, acreditava que a arte apenas leva à ilusão e ao engano.

Os filósofos contratualistas acreditam numa espécie de acordo que é firmado em nossa sociedade que impede a barbárie. Segundo eles, há uma contraposição entre o estado civil e o estado da natureza. Essa noção de sociedade, o estado civil é cercado por leis, regras, valores e uma falsa ideia de liberdade, apregoada pelo Liberalismo e defendida pelo Estado.  No mundo capitalista atual esse “contrato social” não foi idealizado pela gente ou para atender aos nossos interesses. Não há uma balança que pondere as injustiças ou uma força que se coloque contra elas. Vivemos numa fantasia idealizada por pessoas que querem manter os seus próprios interesses, a lógica de dominação e nada mais. Viver sobre a ilusão do sistema ou encarar a sua realidade é uma escolha.

Peço perdão pelas palavras vagas aqui. Se você, caro leitor, já jogou, acredito estar ciente do que se trata. Mas, se ainda não tiver jogado até o final, faça isso, volte aqui e releia os três parágrafos acima. Te garanto que tudo fará sentido!

Um jogo que nos faz sentir, como poucos

No fim, a ideia de vida e morte, ficção e realidade, se mesclam dentro da trama. A tragédia, suas consequências e a forma como os personagens lidam com ela, é um aspecto presente em toda a aventura. Os finais agridoces só reforçam isso. Não espere um final feliz, como nos contos de fada. A vida é resultado de nossas escolhas. É até estranho o jogo, por suas mecânicas, diálogos e level design, ser tão divertido. Clair Obscur se propõe a fazer com que o jogador reflita sobre temas sensíveis envolto a uma intensa carga dramática. É um jogo que se sente, que se vive, como poucos na indústria, atualmente.


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